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HORTELÃ

Um físico famoso, que há poucas décadas faleceu e juntou-se ao cosmos do universo, certa vez escreveu um livro onde narra os feitos da sonda espacial Voyager em direção a Saturno. Quando ela passou próxima ao planeta, recebeu ordens de virar suas câmeras em direção à Terra. A nave estava a 6 bilhões de quilômetros de distância, e por um leve acidente de geometria, nosso planeta ficou exatamente em cima de um raio de luz, causado pelo reflexo do sol na espaçonave. Na imagem, nosso planeta é apenas um pálido ponto azul (título do livro), ironicamente apoiado em uma faixa de incontáveis pontos iguais a pequenos grãos de areia. Esse relato acabou virando uma das reflexões mais famosas da evolução do pensamento científico moderno. Tudo que já aconteceu em nosso planeta, e tudo que vai acontecer, está contido em um minúsculo e imperceptível ponto em um mar de incontáveis corpos cósmicos. Todas as pessoas, que por ganância lutaram pelo poder, para governar e dominar o mundo por uma fração de tempo ínfima, se comparado ao tempo de existência do universo, estão contidas nesse único ponto azul. Tudo em que nós cremos, todas as pessoas de quem gostamos, todas as pessoas que morreram e irão nascer, as que sofrem e as que são felizes; todas elas estão e apenas estarão nesse mesmo pequeno e pálido ponto azul. Não há o menor sinal de vida que possa vir para nos salvar de nós mesmos. Não há. A imensidão é tanta, que parecemos estarmos sozinhos.

    Em uma visão macro, a vida humana é insignificante em meio a todo o universo, somos apenas uma casualidade. Não somos uma engrenagem de uma grande máquina, não somos nem mesmo a graxa que faz ela girar. Somos apenas um pó que pairou sobre a máquina. Esse pensamento é assustador, mas é também um pensamento lindo, pois levanta tantas questões sobre de onde nós viemos. E de certa forma, é a dúvida que nos move. Nesse pequeno planeta em que vivemos é onde toda a história da humanidade aconteceu e está agora mesmo acontecendo. É o nosso único lar, não há no momento outro lugar para onde possamos ir. E por esse lado, somos extremamente sortudos de termos um lugar onde há vida, onde há consciência.

    Somos seres que existimos pela soma e evolução de inúmeros acidentes que aconteceram para que a própria vida não apenas surgisse, mas conseguisse prosperar em nosso planeta. Nossa própria existência já é um fenômeno magnífico e maravilhoso. Mas eu vou além, penso que mais maravilhoso ainda é a consciência humana e a capacidade que ela tem de pensar e criar. Sim, é verdade que ela pode ser também extremamente perigosa e prejudicial para nós mesmos e para o planeta. Porém, nossa própria curiosidade natural de querermos saber as respostas de tantas questões ainda não resolvidas, como o próprio fato da Voyager enviada ao espaço em busca de respostas, nos mostra como nossos sentimentos são intensos e poderosos. Não há diferença alguma em saber ou não o que há lá fora, mas mesmo assim essa busca pelo conhecimento nos fez até mesmo levar o homem para fora do próprio planeta!

    Mesmo o universo sendo enorme e infinito, e nós pequenos e insignificantes, algumas vezes na vida encontramos pessoas com quem temos sentimentos tão intensos e uma conexão tão forte, que parecem não serem reais. Como, em um universo tão grande, e em um planeta tão pequeno, é possível que tais sentimentos sejam explicados? O sentimento à flor da pele é tão absurdo, que a vontade um pelo outro pode ser sim a coisa mais importante em todo o universo naquele momento, mesmo com todas as evidências apontando ao contrário. Nesse momento o tamanho do universo não importa, a única coisa que importa é aquela conexão, que chega a assustar de tão intensa.

    Einstein estava corretíssimo quando demonstrou que o tempo é relativo. Somos uma fração de segundo em um universo que dura infinitos, e mesmo sabendo disso, essa conexão, esse sentimento, é a única coisa que importa nessa fração de segundo.

    Isso é loucura. Isso é real. E é agora.

    



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