Quando eu era pequeno, perguntava inúmeras coisas aos meus pais. Coisas do tipo: "qual é a sua música favorita?", "qual é o seu filme favorito?", "qual a sua comida favorita?", e tantas outras parecidas. "Eu não tenho uma música favorita. Eu gosto de tantas, não consigo escolher uma!", eles sempre respondiam. Como eles podiam não ter uma música favorita? É tão fácil escolher uma, eu pensava. A minha música favorita, por exemplo, eu tinha na ponta da língua: Giz, da banda Legião Urbana. Eu não entendia como meus pais não conseguiam ter uma favorita entre todas. "Eu não tenho um filme favorito, existem vários que eu gosto", eles também respondiam. Vários que eu gosto? Mas eu queria saber o favorito! Como podiam não ter um favorito? O meu filme era fácil, e eu sabia todas as falas de cor: Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, é óbvio! Sobre a comida favorita eu nem tentava entender, ou melhor, essa questão é a que eu não entendia de fato! Não ter uma comida favorita? Minha comida favorita sempre foi lasanha, e eu comeria lasanha pelo resto da vida, todos os dias, sem nem cogitar o contrário.
Na época eu realmente não compreendia, mas hoje eu vejo que essas questões eram somente algumas das tantas coisas que eu não acreditava quando diziam: "você ainda é criança, um dia você vai entender", ou "quando você for adulto vai entender". Hoje tenho uma irmã que está na exata idade que eu tinha quando comecei a guardar e refletir essas falas, de que um dia eu iria entender tais coisas. Eu guardava todas essas falas e afirmações que os adultos diziam, mas eu não refletia a ponto de tentar entender ainda. Eu apenas guardava na memória, para um dia talvez tentar lembrar. Acontece que aos poucos eu fui esquecendo, e toda vez que alguém falava que um dia eu entenderia algo, eu apenas ignorava e não dava ouvidos àquilo.
Hoje, porém, eu estava ouvindo uma música que eu amo demais e pensei, por uma fração de segundos, em dizer que aquela era a minha música favorita. Mas eu parei, e logo pensei: "mas a minha música favorita é Giz, da Legião Urbana, é lógico". E tem sido assim faz tanto tempo que eu não deveria nem titubear a respeito disso. E foi exatamente nesse momento que eu percebi que eu não tenho mais música favorita. Ou melhor, eu não tenho mais UMA música favorita, eu tenho várias! Eu não posso mais colocar Legião à frente das músicas que eu mais ouço atualmente, como Rodrigo Alarcon, Jovem Dionisio, Tim Bernardes, Rubel, Liniker, Braza, Seu Cuca, Armandinho. Não posso mais deixar de fora bandas como Tame Impala, Of Monsters and Men, Edward Sharp and The Magnetics Zeros, Red Hot Chili Peppers, Artic Monkeys, Queen, Pink Floyd, Sticky Fingers, San Cisco, Angus and Julia Stone e tantas outras que me fazem tão bem.
Filme favorito? Eu não consigo mais dizer que meu filme favorito é Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, depois de ter assistido a Interstelar, do Cristopher Nolan. Ou então após ter assistido ao Resgate do Soldado Ryan, de Spielberg. Ou também de Spielberg, A lista de Shindler. Ou então Gladiador, O silêncio dos Inocentes, Tróia, Contato, Forrest Gump, O Cavaleiro das Trevas, O Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, 500 Dias Com Ela, e diversos mais.
Assim como todos passam por isso, mesmo que naturalmente e sem notar, percebi o momento exato em que eu finalmente entendi o porquê de meus pais nunca terem me respondido seus filmes favoritos, músicas favoritas ou comidas favoritas. Eu entendi naquele momento que simplesmente a vida e o mundo nos proporcionam tantas opções, tantas variedades, sabores, cores, sons e imagens diferentes, que acaba ficando até sem graça ter que se limitar a ter uma melhor opção entre as demais. Seria o mesmo que admitir que um mousse de maracujá, feito com leite condensado Moça (o melhor já criado) e com poupa de maracujá natural, seria melhor do que uma lasanha de frango e espinafre, com todo o queijo que se tem direito, e ainda com um queijo ralado e requeijão por cima. Uma afirmação dessas não faz o menor sentido, pois obviamente as duas opções são perfeitas!
Quando eu era criança, lembro de ir quase todos os finais de semana à casa dos meus avós. Um final de semana era na casa dos avós maternos, e no outro na casa da minha avó paterna. Eu corria e brincava por tudo, e lembro claramente de achar que ambas as casas por onde eu corria eram gigantes, enormes e compridas. Acontece que por anos fiquei sem ir à casa da minha avó paterna, depois de ela ter falecido. Quando eu finalmente voltei lá, fiquei chocado ao perceber que a casa era absurdamente menor do que eu lembrava. A última vez que eu havia estado lá, eu não devia ter nem 13 anos; quinze anos depois fez uma diferença e tanto na minha percepção de espaço daquele lugar. Quando somos crianças não entendemos quase nada da vida. Como eu disse, vejo isso hoje em dia na minha irmã de 14 anos, quando ela fala ou faz coisas que me fazem parar e pensar "se eu soubesse disso antes". A gente sabe, só algumas vezes não entendemos ou aceitamos.
A vida adulta não é mesmo tudo aquilo que as crianças pensam e imaginam. Mas isso não quer dizer nem um pouco que ela não seja, de certa forma, até melhor.
De fato, realmente e finalmente eu acredito e entendo que minha mãe... não tem um filho favorito.
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