Pular para o conteúdo principal

PITANGA

Era apenas um pé de pitangueira em meio a um solo visivelmente seco. Ao redor não havia outras plantas, de modo que o pé se destacava pelas pequenas frutas vermelhas e brilhosas. De perto, podia-se ver brotos rosa quase florescendo. As frutas pareciam tão perfeitas que não tive coragem de arrancar e experimentá-las. Avistei uma caída no chão e a peguei. Ela estava um pouco machucada, é claro, mas ainda assim era possível sentir seu aroma no ar ao espremê-la. Era macia, e seu suco escorreu entre meus dedos, espalhando ainda mais o aroma frutado. Algo tão simples como um fruto de pitangueira me fez refletir o quão surreal e maravilhoso era o processo de uma semente germinar, crescer e dar frutos contendo outras sementes. Todo o processo biológico por trás disso já é muito bem conhecido e é possível até mesmo explorá-lo, alterando-o geneticamente. Ainda assim, isso não tira o fato de que uma simples semente gerar um fruto tão doce e suculento é algo surreal e maravilhoso, milagroso! Algumas pessoas esperam por milagres a vida toda, mas na verdade eles podem ser encontrados em toda parte, até mesmo em um pequeno fruto.
    É extremamente maravilhoso pensar em como é possível que uma simples semente, sem nenhum sinal aparente de vida, seja a grande responsável, com somente um buraco na terra, luz e água, por criar uma nova vida, e que consiga crescer, gerar frutos doces, e alimentar outros tantos seres vivos. Um ato da natureza que merece reverência.

    O respeito que muitas vezes não temos com a vida é algo que fere nossa própria existência. Não apenas ferir no sentido de dor física, mas até mesmo com modos de tratar, ou se comunicar. Palavras também se aplicam a essa categoria de ferimento, esse talvez seja o mais comum inclusive.
    A vida sendo algo tão único e maravilhoso, não concede a nenhuma outra criatura o direito de lhe ser tomada de forma gratuita e sem propósito. A natureza funciona de forma tão equilibrada, porém quando o propósito entra em ação surge um contrapeso enorme nessa balança. E é isso o que nós, seres humanos, mais fazemos. Vidas que em  uma visão cósmica não têm diferença alguma com a nossa, e de maneira muitas vezes gratuita ousamos feri-las.

    Talvez as coisas estejam de fato conectadas, afinal fazemos parte de um ciclo. Nada se tem mais certeza nessa vida além do fato de que ela acaba.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FAVORITO

     Quando eu era pequeno, perguntava inúmeras coisas aos meus pais. Coisas do tipo: "qual é a sua música favorita?", "qual é o seu filme favorito?", "qual a sua comida favorita?", e tantas outras parecidas. "Eu não tenho uma música favorita. Eu gosto de tantas, não consigo escolher uma!", eles sempre respondiam. Como eles podiam não ter uma música favorita? É tão fácil escolher uma, eu pensava. A minha música favorita, por exemplo, eu tinha na ponta da língua: Giz, da banda Legião Urbana. Eu não entendia como meus pais não conseguiam ter uma favorita entre todas. "Eu não tenho um filme favorito, existem vários que eu gosto", eles também respondiam. Vários que eu gosto? Mas eu queria saber o favorito! Como podiam não ter um favorito? O meu filme era fácil, e eu sabia todas as falas de cor: Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, é óbvio! Sobre a comida favorita eu nem tentava entender, ou melhor, essa questão é a que eu não entendia d

VERTICAL

       O mundo anda tão vertical. As coisas não costumavam ser assim.      Hoje fiz backup de algumas fotos que estavam no celular para o computador. Eu faço isso de tempos em tempos, por segurança. Enquanto transferia os arquivos, revi algumas fotos do último backup que eu havia feito. Encontrei algumas muito bonitas, até me surpreendi, pois ampliadas na tela do monitor, as imagens ficavam muito mais nítidas do que na tela do celular. A que achei mais bonita era de um pôr do sol, com uma paleta de cores impressionante. O sol estava se pondo no horizonte bem acima da margem do rio, e apareciam diversos reflexos da luz em todos os tons de azul e laranja possíveis. O que mais chamava a atenção era o contorno de um barco à vela, bem no meio da foto, que só era possível notar graças à sombra que o sol fazia atrás do barco. Sempre usei aqueles planos de fundo padrão do Windows, o que acaba nem fazendo diferença no dia a dia, pois eu só ligo o computador à noite por algumas horas, antes de d

BICICLETA

     Hoje eu fui até Charqueadas pedalando. Foram 80 km até uma festa de aniversário. Eu não precisava, mas uma semana antes eu havia decidido que iria de bicicleta. Porém, no dia eu procurei desculpas para não ir. Eu queria ir, e estava até decidido; passei a semana inteira planejando a rota e conhecendo o trajeto. Mas no fundo, eu sentia um receio, pois sabia que era perigoso, ainda mais porque eu percorreria parte do trajeto já à noite. Então, eu usava a possibilidade de chuva como uma carta na manga e uma desculpa preparada caso eu desistisse e, ao invés disso, poder pegar carona com um amigo que iria de carro. Quando amanheceu o dia, eu estava disposto, e me levantei ainda com o pensamento de que iria fazer a tal aventura.     Conforme as horas foram passando, eu sentia que ficava um pouco apreensivo. Será que valia mesmo a pena? Lembrei então de quando eu pedalei na autoestrada pela primeira vez. A primeira vez que andei com a minha bicicleta foi percorrendo uma distância de 50km